As mulheres azuis
Ao fim do jantar, falava-se sobre televisão, violência, filmes de terror
e crimes, besteirol dos auditórios, e alguém lembrou a inocência das
séries antigas: “Os Intocáveis”, “Bonanza”, “Perdidos no Espaço”,
“Caldeira do Diabo”, “Dr. Kildare”, estrelada por Richard Chamberlain,
então jovem.
Ao mencionarem o nome deste, notei leve sorriso e brilho nos olhos de
tranqüilo azul da linda mulher ao meu lado.
Bonitas buscam bonitos, sei, porém não desisti e lhe perguntei, de
chofre: “Você achava o Richard Chamberlain bonito, não é?”
Ela assentiu em discreto sorriso, ainda sem saber se era um modo de eu
puxar conversa, de agradá-la, ou percepção aguçada – de minha parte - do
que com ela se passava (o que a tornaria vulnerável).
Sorriu, silenciosa, no eterno enigma das mulheres.
Pousou seu azul olhar no passado, e por certo lhe vieram à memória
emotiva os embates amorosos que enfrentou por ser linda, desejada e
sedutora numa sociedade que lhe ensinou monogamia e (vá lá...), a
fidelidade.
Minha atenção ousou interpretar o brilho encabulado de seu olhar azul.
Mulheres lindas são princesas aprisionadas em torres de castelos
inexpugnáveis.
Não será este cronista tão desajeitado, o passo cambaio, algo tronchudo,
não será ele que falará de beleza com conhecimento de causa. Posso, sim,
avaliar e admirar (na proporção inversa da possibilidade de fruir).
Hoje sei apreciar a beleza e a solidão da mulher linda, com a desambição
de quem já a sabe impossível para si, sei admirar sua resistência a
olhares, a paixões rimbombantes, a cortejadores sutis ou rombudos, a
homens que amaria e não pode.
Ah, ser carente do amor de quem ama mesmo sabendo-o aquém.
Ah, ter que esconder, calar, disfarçar, ver sem olhar, olhar sem ver,
sempre olhada e perseguida por inveja ou paquera.
Comoveu-me aquela mulher azul, serena e poderosa, certamente perseguida
por quilômetros de olhares, atrações e galanteios, a contentar-se com
guardar para si o enorme poder de ser bela.
Olhei-a várias vezes, sempre encantado, enquanto ela “azulzava”,
fingindo não perceber.
Mulher sempre sabe quando está a ser olhada; encabulou e não demonstrou,
até que reduziu-me a pó com a seguinte e humilhante frase: “E o senhor,
gosta de cinema?”
(Arthur da Távola)
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